domingo, março 15, 2009

Carta para Darwin

Caro Professor Charles Darwin,

Tendo conhecimento de que V. Exa. abriu inscrições para o lugar de assistente, venho por este meio candidatar-me a acompanhá-lo nesta segunda viagem às ilhas Galápagos.
A intenção do Almirantado britânico em enviar novamente o Beagle rumo às “Ilhas Encantadas”, numa missão de pura investigação científica no campo da evolução, contrariamente à primeira expedição, particularmente centrada em fins cartográficos, despertou desde logo a minha curiosidade, e principalmente o meu desejo em incursar em tão promissora viagem, razão pela qual não podia deixar de lhe escrever.
Devo confessar que a discrição que fez das ilhas me deixou perplexa e enfeitiçada perante a luxuriante variedade de vida num local aparentemente tão inóspito. O seu livro A viagem do Beagle é para mim uma fonte de inspiração. Decerto compreende este meu sentimento quando pensa na leitura que fez da obra de Alexander von Humboldl sobre as suas viagens à América do Sul.
Considero, sem dúvida, que os primeiros dados que recolheu se tornaram na espinha dorsal de algo revolucionário. Esta segunda incursão permitirá corrigir os erros e colmatar as falhas da primeira observação, realizando uma recolha de espécimes ainda mais cuidada e exaustiva, bem como um estudo mais profundo do seu habitat e das condições e serviços do ecossistema em questão, iluminando este tema tão controverso entre os homens.
Move-me um profundo interesse pela ciência, o desejo de ter um papel activo na recolha de dados e na contribuição para novas descobertas, um entusiasmo insaciável e um conhecimento amador do naturalismo e da geologia, tendo tido contacto com os trabalhos de Charles Lyell e Carolus Linnaeus, ortodoxos, porém revolucionários.
Possuo ainda os requisitos exigidos a uma assistente incumbida de tarefas nestas áreas científicas, sendo especialista em dissecação e uma experientalista orientada para o contacto directo, possuindo os conhecimentos essenciais em desenho de campo, características que se poderão revelar úteis quer na discrição e análise dos espécimes, quer na sua preservação.
Apesar de ser a minha primeira experiência nos trópicos, experimentei o ar fresco do mar aberto já por diversas vezes, pelo que tenho noção da vida agradável, porém perigosa, que se pode levar numa prisão flutuante.
Tendo ficado curiosa com a primeira expedição, segui de perto a análise dos dados que enviou, e devo dizer que os resultados obtidos a partir dos seus achados se revelaram espantosos.
O facto de quase todas as aves terrestres serem novas, jamais terem sido descritas e muitas das quais existirem apenas nas Galápagos; de três dos sabiás recolhidos não serem apenas variedades locais, mas espécies distintas; e das tartarugas gigantes, à semelhança das iguanas-marinhas e dos próprios arbustos e cactos arbóreos serem também exclusivos deste arquipélago, são provas irrefutáveis da capacidade de transmutação e divergência das espécies da sua origem ancestral. Também a aparente semelhança, e contudo, clara distinção, entre as espécies das Galápagos e outras espécies existentes no continente sul-americano, reforça esta afirmação.
Os fósseis recolhidos mostraram-se igualmente interessantes, revelando-se parentes extintos de formas vivas, corroborando a ideia comum a inúmeros geólogos, entre os quais Lyell, de que existe uma ligação entre seres vivos e mortos, relação também presente entre os fósseis de um estrato de rocha e os fósseis do estrato que o antecede: a “lei da sucessão”.
Tais conclusões são extremamente entusiasmantes e simultaneamente perturbadoras, tendo em conta o paradigma religioso reinante. As suas descobertas mudaram o mundo.
Penso, no entanto, que ainda muito ficou por desvendar, e que existem no seu trabalho algumas oportunidades inexploradas, por ventura fruto da sua curta estadia no arquipélago, que deverão ser aproveitadas nesta segunda jornada.
Analisando o seu trabalho apercebi-me que não documenta a origem de uma única espécie, um único caso de selecção natural ou de preservação de uma raça favorecida na luta pela vida. Proponho, assim, a realização do impossível: o estudo da evolução ao vivo, pois se alguma vez uma ideia reclamou e exigiu um programa de investigação experimental, é seguramente esta.
É certo que entre a maioria dos seres vivos, a evolução se desenrola com demasiada lentidão para ser observada por um só cientista no tempo de vida da sua investigação. Mas a ciência funciona não apenas por observação directa, e os tipos de provas por inferência fornecidos pela paleontologia, biogeografia, embriologia e morfologia abragem um volume de dados não menos convincente só por ser obtido indirectamente.
Uma visão tão maravilhosa tem necessariamente de ser corroborada por um vasto acervo de provas. Urge encontrar mais evidências fósseis que permitam desvendar padrões e ligações, coleccionar espécimes que, pelo seu carácter único, permitam esboçar alguns galhos na árvore da vida, preenchendo as infinitas lacunas na história da evolução, para que, aproximando-nos, possamos contemplar o momento de divergência em si, o ponto onde uma linha se transforma em duas, a quebra da barreira entre as espécies.
Um trabalho de campo exaustivo, uma recolha diligente de provas, um estudo meticuloso da distribuição geográfica dos seres vivos, da sua forma e desenho anatómicos, das fases do seu desenvolvimento enquanto embriões, e dos seus antepassados, enterrados em rochas de eras distantes, construirá um edifício de provas crescentes, abundantes, variadas, e solidamente ligadas entre si, que tornarão a evolução em mais do que uma teoria, um facto.
A criação nunca está terminada. Ela começou um dia, mas não acabará nunca. Ela permanece numa actividade incessante para produzir coisas novas e mundos novos (Immanuel Kant, Teoria do céu). Também o Homem, e principalmente o cientista, não podem parar: a evolução está em curso permanente.
Proponho-me, assim, humildemente a embarcar a seu lado.
Cordialmente me despeço.
Ana Filipa Louro (12º 1A)

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